Raul Texeira
Desde épocas imemoriais, existe entre as criaturas humanas, essa concepção de céu e de inferno.
Tudo isso nasce quando a intimidade do ser, a consciência profunda da criatura se apercebe de que deve haver uma condição diferente para as pessoas que seguem o caminho A, diferentemente das pessoas que seguem o caminho B.
Esse entendimento fez com que se imaginasse que as pessoas que seguem o caminho A, por exemplo, tenham direito a uma felicidade num lugar especial e as que seguem o caminho B não têm o mesmo direito.
Isso nasce com a mentalidade teológica que cada indivíduo tem, essa ideia do automerecimento. Nós sempre achamos que merecemos algo melhor que o nosso vizinho.
Quase sempre supomos que nós deveríamos ser melhor aquinhoados do que as pessoas que lidam conosco. Ao vermos alguém fazer uma obra dizemos:
Ah, mas se fosse eu...
Nessas reticências está dito que nós faríamos melhor.
Essa ideia geral de todas as épocas, de todos os povos, certamente quando entram na ideia clerical, teologal, a respeito do destino das criaturas depois da morte, faz com que essas mesmas criaturas estabeleçam que vão para o céu, e as outras para o inferno.
Mas essa questão de céu e inferno: o que é que caracterizava uma e outra ideia?
Em todas as épocas o céu era entendido como um locus, um lugar de delícias, de harmonia, de paz, de belezas, enquanto em contraposição, o inferno seria um lugar de terrores, de tormentos, de sombras, de trevas, de dores, de choros e rangeres de dentes, como aprendemos no Evangelho.
É por essa razão que nessas diversas épocas da Humanidade, em função dos pensamentos teológicos vigentes, se admite a existência de céus e de infernos exteriores à criatura humana, ou seja, lugares para onde se vai depois do decesso carnal, depois da morte.
Aprendemos com os povos antigos, por exemplo, que havia um Samsara, como chamavam os indianos. Samsara tem a representação do inferno cristão, porque é um locus, é um lugar de tormento, de agitação, de barulho, de tumulto e os indianos assimilam barulho, tumulto, agitação com o inferno, um lugar de tormentas.
Conhecemos entre os povos antigos, entre os hebreus, entre os gregos o Hades, que também era lugar das almas atormentadas. Era o inferno, como mais tarde chamaria o movimento cristão organizado.
Em todos os povos então, essa ideia de um lugar para onde se vai depois da morte se perpetuou, ganhou corpo. Hoje, as religiões ainda nos apresentam céu e inferno, como lugares.
Muito recentemente o Papa João Paulo II estabeleceu para os irmãos católicos, que céu e inferno são realidades da alma. Mas, Jesus Cristo já tinha falado isto há muito tempo de outra maneira.
Aprendemos nas páginas de O Evangelho Segundo o Espiritismo, por exemplo, aprendemos nas lições do livro O céu e o inferno, de Allan Kardec, exatamente isto: céu e inferno não são realidades de fora da gente, não são propriamente lugares para onde se vai, são realidades intrínsecas do ser.
Por causa disto, vale a pena pensarmos em céu e inferno, fugindo um pouco dessa dinâmica teológica que estabeleceu que são lugares de tormentos perpétuos, de tormentos eternos, onde a alma imaterial sofre horrores materiais, onde a alma que é plenamente espiritual estará submetida a castigos a sofrimentos de ordem eminentemente material.
Céu e inferno merecem de nós essa atenção, para que nós mesmos possamos avaliar por que caminhos estamos trilhando, o que é que estamos fazendo da nossa vida, da nossa existência, se gostamos dessa busca pelo céu, ou se estamos gostando de nos enveredar pelas trilhas infernais.
* * *
Quando pensamos nisso, nessas trilhas que escolhemos para seguir, nesses caminhos que desejamos trilhar, vale a pena lembrarmos de Jesus.
Jesus Cristo disse um dia: O Reino dos Céus não tem aparências exteriores, o Reino dos Céus está dentro de vós.
Essa foi uma revelação bombástica para nossa crença porque, até então, nós aprendêramos que morreríamos para ir ao céu, para ir ao inferno. Mas Cristo estabelece que esse Reino dos Céus tão esperado não é exterior, não tem aparências exteriores, está dentro da criatura humana.
Se o Reino dos Céus está dentro da criatura humana, como um estado d’alma, um estado de espírito, uma maneira de ser, é natural pensar que o inferno também está dentro da criatura, uma vez que o inferno corresponde à oposição ao céu, oposição às Leis de Deus.
Todas as vezes que estivermos vivenciando de conformidade com as Leis de Deus, estaremos trabalhando nosso céu, estaremos construindo o nosso céu interior, estaremos realizando o trabalho da paz íntima.
Mas, quando fugirmos dessas Leis, quando desrespeitarmos essas Leis, quando nos antagonizarmos com elas, indubitavelmente a nossa atitude é uma atitude infernal.
E, por que isto?
Porque sentimos remorsos. Todas as vezes que agimos fora da Lei Divina, todas as vezes que desrespeitamos a nossa consciência, que forçamos a situação para fazer aquilo que o homem velho, que os instintos nos impõem fazer, sentimos dor de remorso.
Um mal-estar terrível toma conta da nossa alma e passamos a não ter sossego, não dormimos direito, não comemos direito, choramos, nos amarguramos. De acordo com o temperamento dos indivíduos existirão reações muito próprias, muito pertinentes.
Importante será que busquemos esses roteiros de vida, esses modos de viver que correspondam ao céu.
Ora, quando trato bem as pessoas, quando construo amizades e preservo meus amigos é o céu que eu estou construindo para mim, o céu da felicidade ter amigos.
Quando escorraço as pessoas, alimento preconceitos de quaisquer níveis, quando dirijo aos indivíduos a minha malquerença, meu azedume, é o inferno que estou cavando para mim, porque não existe coisa mais terrível do que eu passar e ser malquisto, ser mal visto pelas pessoas.
Logo, é importantíssimo verificar que céu e inferno são realidades íntimas.
Ninguém precisa ter medo do inferno. Precisa ter cuidado com a vida. Se tivermos cuidado com a vida, estaremos construindo nossa felicidade, nosso Reino do Céu interior.
Se não tivermos cuidado com a vida, não importa quem sejamos, filhos de quem sejamos, não importa que religião tenhamos, não importa qual seja o nosso nível socioeconômico. O que importa é que estamos cavando nossa tormenta.
O Reino dos Céus não tendo aparências exteriores, mas sendo uma realidade vivencial, só pode estar dentro da criatura humana.
Vejamos como vivem as pessoas em paz consigo mesmas: felizes, alegres, joviais, o que não quer dizer irresponsáveis, o que não quer dizer estultas.
Como é que vivem as criaturas cheias de remorsos?
Deprimidas, amarguradas, azedas, dizemos: com seu fígado estragado, porque esse tormento interno faz com que o indivíduo exteriorize esse mesmo tormento, ponha para fora seu inferno.
Um dia, o Apóstolo Paulo nos ensinou: Andai como filhos da luz, quando ele escreveu aos Efésios.
Ora, todo e qualquer filho da luz, qualquer de nós que seja lucigênito e todos nós o somos, porque somos filhos de Deus, deverá caminhar espalhando claridade.
Quem é filho da luz, luz igualmente é.
Geneticamente, carregamos de Deus em nós, levamos de Deus em nós essa potência, essa capacidade de nos iluminar com a Luz Divina e espargir essa claridade ao nosso redor, iluminando a tantos quantos junto a nós estejam.
O inferno, o céu não tem aparências externas, são realidades dentro de nós existentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário