segunda-feira, 18 de julho de 2011

A Era da Inteligência Emocional

Dalmo Duque dos Santos

A melhor expressão da espécie humana é sua inteligência, diferenciada das demais espécies pela sua capacidade de fazer escolhas. E a maior expressão dessa inteligência são os sentimento e emoções, paixões e compaixões que o ser humano demonstra em relação às coisas e aos seus semelhantes. Este é o motivo pelo qual todas as culturas ensinam, de acordo com as suas tradições, que o Homem foi criado à imagem e semelhança da Divindade. Ao contrário do caráter quase estático da inteligência instintiva dos animais, a inteligência humana é dinâmica e constantemente desafiada pelas circunstâncias das existências. O fator mudança-adaptação do plano biológico animal é lento e quase imperceptível; porém, no plano psicológico hominal, é extremamente veloz, devido à percepção racional e dada à riqueza e diversidade das situações existenciais da experiência social humana. Diante dessa diversidade e impulsionado pelas paixões naturais, o ser racional não tem alternativa senão fazer escolhas, mesmo que seja em forma de fugas. É através dessa crescente riqueza circunstancial, estimulada pelas constantes descobertas e inquietações sociais, que se revelam as múltiplas faces da inteligência e também os segredos do funcionamento da mente e da aprendizagem. Foi por esse motivo que somente agora, em plena era tecnológica, antigas verdades, guardadas à sete chaves nos círculos ocultos, vieram à tona nos tempos atuais. Foi dessa forma que desabou o mito científico da inteligência única e da pedagogia unilateral. Quando um Huberto Rohden afirma que “ninguém educa ninguém” - porque a educação é intransitiva – ou um Carl Rogers demonstra que o professor é apenas um facilitador, estão revelando essa face enigmática e atraente da mente humana, qu e só aprende algo e se deixa educar quando toma a decisão de se transformar. Quem decide o momento da educação é o próprio educando, pela auto-aprendizagem, que é a busca da sua realização. A educação não é somente intransitiva, mas é também imprevisível, como o próprio ser humano.

Os conceitos existentes sobre a inteligência - hoje bastante transformados - , já vinham passando por uma profunda revisão nas últimas cinco décadas do século XX. Diversos filósofos, psicólogos e educadores desenvolveram nesse período pesquisas e teorias revolucionárias, mostrando que a mente humana não era somente uma fatalidade biológica ou um mero produto do meio social; e sim uma complexa combinação de experiências cujas conexões permaneceram desconhecidas e ainda permanecerão por muito tempo no terreno do mistério. Tudo indica que nas próximas décadas deste novo século esse tema tão atraente tomará rumos totalmente novos em relação àqueles que vinham sendo propostos anteriormente. É assim que temos visto a recente substituição do tradicional conceito de Q.I. (Quociente de Inteligência) pelo Q.E. (Quociente Emocional) ou T.I.M.- Teoria das Inteligências Múltiplas. O primeiro julgava a inteligência do ponto de vista quantitativo, geral, único, fixo e imutável; o segundo já mostra a inteligência de um ponto de vista qualitativo, negando que exista somente uma inteligência geral e sim inteligências específicas e autônomas. Segundo essas novas teorias todos nós somos dotados de uma variedade de diferentes competências e habilidades cognitivas. O primeiro conceito restringia a inteligência ao pensamento lógico-matemático, mensurando-a com fórmulas da mesma natureza: o Q.I. seria então a proporção entre a inteligência de um indivíduo determinada de acordo com alguma medida mental, e a inteligência normal ou média para a sua idade[5]. O segundo conceito diverge da idéia de que a inteligência se mede pela capacidade de responder testes lógico-matemáticos e afirma que a mesma é caracterizada por um conjunto de habilidades emocionais na solução de problemas. Prova disso é o fato de que muitos indivíduos rotulados como “inteligentes” pelos testes de QI se mostraram inábeis na solução de determinados problemas que não os de ordem lógico-matemática. E muitos indivíduos, também rotulados como “pouco inteligentes” na realização dos teste s de QI se mostraram muito habilidosos na solução de problemas nos quais os indivíduos de QI elevado sempre fracassavam. Enfim, a Ciência começa a perceber uma verdade filosófica tão antiga quanto a espécie humana: o livre-arbítrio como ferramenta de crescimento e autonomia pessoal; e a capacidade individual de fazer escolhas certas como o verdadeiro atributo da inteligência integral.

A partir dessas contradições teóricas e evidências de comportamento constatou-se que a inteligência não é absoluta, mas sempre relativa e proporcional ao grau de consciência da pessoa. Ela parte sempre do aspecto parcial e simples para o integral e complexo, que é a verdade como um todo. Quando afirmamos que alguém é inteligente ou pouco inteligente devemos sempre acrescentar as seguintes perguntas: Inteligente em que? Para que? Em que circunstância?

Inteligência sempre foi sinônimo de poder e superioridade e durante muito tempo ela vem sendo objeto sistemático de culto um social, sobretudo no mundo competitivo pós-industrial. Segundo esse conceito cultural, as pessoas tidas como inteligentes geralmente são vistas como seres superiores aos demais. Mas são superiores em que sentido? Em que circunstância? Alexandre Magno, Júlio César e Napoleão Bonaparte eram seres muito inteligentes, mas não eram seres superiores aos demais seres humanos em diversos sentidos. Hitler, apesar de ser vegetariano e abstêmio de carne, fumo e álcool, nunca foi exemplo de superioridade, sobretudo no aspecto moral. Todos eles eram seres humanos e, portanto, tinham limi tes não ultrapassados pelo tipo de inteligência que possuíam. Hitler tinha preconceitos contra judeus, negros, mulheres, etc.; isso é um limite na capacidade de solucionar problemas de convivência com aqueles que consideramos diferentes. Aliás, considerar pessoas ou conceitos diferentes como “inferiores ou “piores” denota claramente falta de habilidade mental para romper limites. Todos esses falsos “gênios” da história cometeram erros ao fazer escolhas e avaliações emocionais, provando que a inteligência que possuíam era limitada e parcial.

Foi isso que diferenciou esses famosos e “inteligentes” estadistas de alguns seres também inteligentes como Santo Agostinho, Gandhi, Confúcio ou Martin Luther King. Esses últimos eram pessoas que exibiam um tipo de inteligência não muito adequada para os padrões competitivos da arte militar e da conquista de territórios, mas extremamente habilidosos na competição contra inimigos interiores e na conquista do árido território íntimo. Eram, além de inteligentes, muito equilibrados emocionalmente. Suas conquistas interiores, aparentemente frágeis e impotentes, promoveram assustadoras mudanças exteriores, de grande impacto social. Logo, o equilíbrio emocional é um grande diferencial de inteligência. Isto porque, além da cognição e do pensamento lógico, esses indivíduos ampliaram suas inteligências através de outras experiências mentais, manifestadas pelos sentimentos e ações ainda incomuns na maioria dos seres humanos.

É por isso que o conceito de inteligências múltiplas abriu uma nova perspectiva na área do conhecimento, pois rompeu com os limites da “inteligência única”, que é por si só limitada e restrita, deslocando o ser humano para a “vivência”, que é uma forma de inteligência mais ampla, infinitamente irrestrita e ilimitada. Vivência pode ser chamada de inteligência total ou integral, enquanto a inteligência, única e isolada, é fragmentada e parcial.

A inteligência é um meio para se chegar ao conhecimento; a vivência é um fim, é o próprio conhecimento. E este “fim” não é o limite, mas o eterno “início” de novas e eternas experiências. Logo, conhecimento é uma experiência que na verdade não tem fim. Quanto mais conhecemos mais tomamos consciência de que não sabemos muito. Essa foi a vivência de Sócrates e foi por esse motivo que o oráculo o apontou como o homem mais sábio da Grécia, exatamente porque o conhecido filósofo vivia afirmando que nada sabia e que a experiência mais importante na vida era o “Conhece-te a ti mesmo”.

Todo ser humano que desperta para as realidades que o rodeiam o faz buscando entender a lógica da sua existência. Suas dúvidas o levam a aprender coisas novas e solucionar problemas delas decorrentes. E naturalmente faz perguntas, busca respostas, trás consigo o germe da filosofia no sangue e na alma. Considerando a linha filosófica socrática, as dúvidas mais comuns são essas:

QUEM SOMOS?

Resposta: Consciências, individualidades.

DE ONDE VIEMOS?

Resposta: de uma fonte inteligente superior e criadora das coisas.

PARA ONDE VAMOS?

Resposta: através de inúmeras experiências nos transformamos mental e constantemente do simples para o complexo, do homogêneo para o heterogêneo.

Mesmo discordando ou aceitando a lógica dessas respostas sentimos a necessidade de ir adiante, desvendar os mistérios que elas deixam na superfície da nossa capacidade de compreensão. Queremos então aprofundá-las cada vez mais.

Sabemos o que é a inteligência, qual a sua função e isso nos leva a perceber primeiramente que ela se localiza em um determinado ponto do nosso organismo: a cabeça, especificamente no cérebro. Mas os cérebros, organicamente falando, são todos iguais. Cérebros de criminosos famosos e de personalidades do mundo acadêmico, de pois de suas mortes físicas, foram dissecados por estudiosos e nada foi encontrado em suas medidas e características morfológicas que pudessem ser associadas à inteligência. Tanto o cérebro de Einstein quanto o do cangaceiro Lampião eram absolutamente idênticos. Então, por que as pessoas são diferentes e reagem de maneiras diferentes? Onde está essa diferença?

Quando uma pessoa vê um objeto vermelho todas as outras pessoas também vêem o tal objeto vermelho porque os cérebros realizam uma operação física semelhante para interpretar essa informação visual. Mas essas pessoas podem ter uma reação diferenciada quando são questionadas sobre o que “sentem” a respeito da cor vermelha. Uns podem “gostar” do vermelho e outros simplesmente “detestar” a mesma cor.

Por que isso acontece se os cérebros são iguais?

Resposta: quem manifestou o sentimento sobre a cor vermelha não foi o cérebro, mas algo que dá qualidade ao cérebro: a mente. O cérebro é uma massa orgânica e a mente[6] é o conjunto das experiências que o cérebro manifestou; o cérebro é apenas um captador externo de informações, pelos sentidos exteriores; a mente é a matriz das informações interiores, o arquivo dessas informações. Se aplicarmos uma relação de causa e efeito nessa análise é fácil perceber que o cérebro é o efeito da mente, emb ora seja um instrumento orgânico essencial para a manifestação da mente. Um cérebro defeituoso ou lesado não veicula corretamente os pensamentos, as atitudes, sentimento e emoções emitidas pela mente.

Comparando algumas características podemos perceber algumas diferenças fundamentais entre cérebro e mente e estabelecer realmente onde está centro das inteligências:

O CÉREBRO: fisiológico, material , temporal, concreto, objetivo, são todos iguais na forma.

A MENTE: psicológica, espiritual, atemporal, abstrata, subjetiva, são todas diferentes no conteúdo.

Para o filósofo Henri Bérgson, que dedicou sua vida ao estudo dessas diferenças conceituais, a percepção que temos do tempo e a existência da memória são provas irrefutáveis do universo mental:

"Todos os fatos e todas as analogias estão a favor de uma teoria que veria no cérebro apenas um intermediário entre as sensações e os movimentos, que faria desse conjunto de sensações e movimentos a ponta extrema da vida mental, ponta incessantemente inserida no tecido dos acontecimentos, e que, atribuindo assim ao corpo a única função de orientar a memória para o real e ligá-la ao presente, consideraria essa própria memória como absolutamente independente da matéria. Neste sentido, o cérebro contribui para chamar de volta a lembrança útil, porém mais ainda para afastar provisoriamente todas as outras. Não vemos de que modo a memória se alojaria na matéria; mas compreendemos bem - conforme a observação profunda de um filósofo contemporâneo [Ravaisson] - que "a materialidade ponha em nós o esquecimento"."

Segundo Bérgson o cérebro jamais poderia produzir as impressões e as referências que a mente consciencial dá ao tempo:

"A duração vivida por nossa consciência é uma duração de ritmo determinado, bem diferente desse tempo de que fala o físico e que é capaz de armazenar, num intervalo dado, uma quantidade de fenômenos tão grande quanto se queira. No espaço de um segundo, a luz vermelha - aquela que tem o maior comprimento de onda e cujas vibrações são portanto as menos freqüentes - realiza 400 trilhões de vibrações sucessivas. Deseja-se fazer uma idéia desse número? Será preciso afastar as vibrações umas das outras o suficiente para que nossa consciência possa contá-las ou pelo menos registrar explicitamente sua sucessão, e se verá quantos dias, meses ou anos ocuparia tal sucessão. Ora, o menor intervalo de tempo vazio de que temos consciência é igual, segundo Exner, a dois milésimos de segundo; ainda assim é duvidoso que possamos perceber um após outro vários intervalos tão curtos. Admitamos no entanto que sejamo s capazes disso indefinidamente. Imaginemos, em uma palavra, uma consciência que assistisse ao desfile de 400 trilhões de vibrações, todas instantâneas, e apenas separadas umas das outras pelos dois milésimos de segundo necessários para distingui-las. Um cálculo muito simples mostra que serão necessários 25 mil anos para concluir a operação. Assim, essa sensação de luz vermelha experimentada por nós durante um segundo corresponde, em si, a uma sucessão de fenômenos que, desenrolados em nossa duração com a maior economia de tempo possível, ocupariam mais de 250 séculos de nossa história”.

Refletindo ainda sobre a diferença que existe entre as pessoas, podemos afirmar com toda a certeza que ela não está no cérebro, mas na mente. É na mente que está localizada verdadeiramente a inteligência. É na mente que se encontra desde as experiências mais grosseiras e primitivas até as mais sofisticadas operações cognitivas. Quanto mais complexas são as experiências, mais complexas são as mentes.

Enquanto cérebro é composto de massa e dinamizado pelos neurônios, a mente é formada e desenvolvida pelo conjunto de habilidades ou inteligências cuja função é solucionar problemas de diferentes ordens. O conjunto dessas habilidades e competências opera e estimula os neurônios através das três vivências fundamentais: o Sentimento, o Pensamento e a Ação .

Durante todo o tempo de nossas vidas estamos pensando, agindo e sentindo. Ser inteligente não significa apenas raciocinar; significa também agir e reagir através de atitudes e emoções. É isso que tornam pessoas diferentes entre si, mais ou menos experientes uma em relação às outras, com maior ou menor grau de maturidade. Mas é bom lembrar que inteligência nem sempre é sinônimo de maturidade. Existem pessoas - crianças ou adultos - muito inteligentes porém imaturas emocionalmente. Essa é basicamente a diferença entre inteligência e vivência.

É através dessas três vivências que mente realiza suas funções psíquicas: obter conhecimento e auto-conhecimento e desenvolver o auto-domínio.

Na manifestação das três vivências, isto é, o contato com o ambiente, a mente tem como trabalho básico a solução de problemas e, num plano mais amplo, a ruptura de limites circunstanciais. Sempre que um problema é solucionado ocorre uma acomodação da nossa consciência; se o problema não teve solução é sinal que há um limite que deve ser rompido para ser superado. Enquanto isso não for possível ocorre então a adaptação, processo no qual a nossa consciência “dribla” a realidade através da resignação, das fugas e também dos ataques às situações incômodas.

Vejamos também como ocorre esse “jogo” entre a mente o ambiente[7]

A vida cotidiana é cômoda quando estamos em contato com as coisas comuns e banais. Mas quando surge uma mudança qualquer, rompendo-se a monotonia através de situações novas, ela passa a ser incômoda. Essas situações podem ser de fácil assimilação e geralmente resultam numa nova acomodação. Porém, nem sempre as situações se acomodam. Na maioria das vezes as situações são incômodas – e nós sabemos a causa espiritual das mesmas – e geram uma sensação desagradável de ameaça ao nosso conforto íntimo. Diante dessas situações incômodas temos como opção a acomodação, o fracasso e adapta ção: nesta última temos a s tentativas de diminuição do sofrimento: a fuga , a resignação ou agressão. Para nos adaptarmos ao fracasso podemos fugir da realidade incômoda e isso é feito de inúmeras formas: desde a mudança brusca de assunto até a situação extrema de entrarmos em coma. Fingir indiferença, usar drogas e remédios, tomar bebidas alcoólicas, fumar, praticar algum esporte, fazer uma viagem, ler um livro, dobrar a carga de trabalho, demonstrar agressividade física e verbal, desmaiar e até mesmo entrar em coma são diferentes formas de adaptação ante as situações incômodas. As formas de variam de acordo com as pessoas e das circunstâncias em que ocorrem. É nesses momentos que a mente exige operações cognitivas na qual temos que usar algum tipo de inteligência para aprender a resolver desde os pequenos até os mais complexos problemas: da porta que emperrou ou do aparelho eletrônico que não funciona até as mais graves provações de ordem moral.

A Revolução das Inteligências Múltiplas

Com já dissemos, o conceito de uma inteligência genérica foi sendo gradualmente superado pelo conceito de inteligências múltiplas. Segundo essas novas tendências da educação e da ciência do comportamento o ser humano possui potencialmente sete tipos de inteligências ou competências e habilidades cognitivas[8]. São habilidades e competências que foram sendo adquiridas desde os primórdios da raça humana constituindo três tendências cognitivas: as inteligências naturalísticas (instintivas e intui tivas), as inteligências técnicas (intelectuais e racionais) e as inteligências sociais (emocionais e expressivas).

Inteligência LINGUÍSTICA: habilidade e sensibilidade no uso e significado das palavras: retórica, persuasão, poesia, explicação, descrição e narração, etc.

Inteligência MUSICAL: habilidade e sensibilidade aos sons e ritmos.

Inteligência LÓGICO-MATEMÁTICA: habilidade na abstração, na criação de padrões, longas cadeias de raciocínio.

Inteligência ESPACIAL: habilidade de precisão e sensibilidade na percepção do espaço e do tempo, nas formas e objetos.

Inteligência CINESTÉSICO-CORPORAL: habilidade no uso do corpo com fins expressivos e no alcance de objetivos que exijam movimentos motores.

Inteligência PESSOAL: é uma inteligência única no gênero e dupla na função: Intrapessoal é a capacidade de acesso à nossa vida emocional ou sentimental, pelo auto conhecimento; e Interpessoal é capacidade é a capacidade de observar e fazer distinções entre as pessoas do seu convívio.

Essas inteligências não apareceram no ser humano num passe de mágica, como se fosse um decreto arbitrário do Criador para suas criaturas, privilégio e sucesso de uns e fonte de tormentos e fracasso para outros. Elas são o produto de uma evolução natural, regida por leis naturais, de um desenvolvimento histórico da esfera biológica para a psicológica, realizada em milhões de anos de experiências, de erros e acertos. Marcaram dessa forma a transformação de habilidades parciais no plano existencial em competências integrais, no plano vivencial. Cada uma dessas habilidades e competências surgiu por efeito de uma necessidade imperativa imposta pela Natureza ou pelas circunstâncias. A descoberta do fogo é a mais conhecida dessas experiências. As vicissitudes do frio e da fome deram impulso para o desenvolvimento de habilidades que foram responsáveis pela sobrevivência da espécie humana na Era Glacial. A educação humana primitiva era feita pela natureza, pois o próprio Homem a ela estava mais estreitamente ligado. As leis naturais funcionavam processo de ensino-aprendizagem. Com o desenvolvimento da razão e do livre-arbítrio, o ser humano passou a gerir sua própria educação e, não satisfeito com a sua autonomia, passou a desafiar a maestria da natureza na tentativa de submetê-la e transforma-la segundo assua necessidades. Essa ruptura coincide com o desenvolvimento das inteligências múltiplas e a verticalização gradual da consciência. Em cada época da Humanidade essas inteligências se manifestaram em protótipos históricos[9], dando um perfil antropológico para os grupos humanos e civilizações nas quais viveram. Esses protótipos foram na verdade grandes educadores, modelos de pedagogias avançadas no tempo. Em todos eles encontramos grandes projetos pedagógicos cuja essência era transpor as coletividades da barbárie para a civilização. Essa transposição teve como suporte o aparato da inteligência emocional desenvolvido no advento institucional da família, em cujas relações sociais sanguíneas e de efetividade foram se processando as primeiras noções de ordem, de valores, de moral e de ética. Foi a partir da família e de suas seqüências coletivas (clãs, tribos, frátrias) que os grandes educadores primitivos elaboraram seus projetos educativos facilitando ou reforçando as bases da civilização. Foi no trajeto histórico do costume para a lei, da família para o Estado, da moral para a ética, que esses educadores fixaram as bases do comportamento diferenciado que traziam g ravados em suas almas. Eram seres de superioridade inconfundível e desde cedo funcionaram como vetores de uma moralidade avançada e na maioria das vezes ainda incompatível com o moral predominante em suas épocas. Mas era exatamente essa característica que os tornavam aptos a exercer a função de agentes transformadores do comportamento comum. Na Antiguidade o veículo mais adequado para se processar tais mudanças eram os núcleos religiosos, que eram locais onde a curiosidade e a busca da verdade era mais comum. A iniciação religiosa e nos mistérios da natureza aconteciam nos templos ou em escolas iniciáticas alternativas que fugiam da viciação social e política do clero. É só lembrarmos do percurso histórico feito pelos judeus entre o Egito e a Palestina, no qual Moisés funciona como educador social ao implantar, em pleno deserto, o projeto da civilização judaica, base da futura civilização cristã. Antes da implantação Moisés fez sua iniciação nos templos egípcios, conheceu os segredos do corpo e do Espírito, o domínio das forças elementares e da comunicação transcendental entre os mundos físico e metafísico. A essência do seu projeto era a idéia da Lei Universal, que deveria ser personalizada na figura de um Ser Único, superior e regulador de todas as coisas, em todos os lugares. O povo judeu seria a classe de aprendizagem mais adequada para esse empreendimento, base social potencialmente mais eficiente, pois reunia as condições culturais e circunstanciais para a efetivação dessas idéias avançada para a época: vinham de uma antiga luta de afirmação de identidade social (desde Abraão), estavam na condição de escravos, oprimidos pelo poder egípcio; passariam nesse trajeto por provas espetaculares nas quais poderiam avançar ou recuar, vencer ou fracassar. Todas essas provas eram ponto de escolha entre a barbárie e a civilização, entre a verdade espiritual e a ilusão material. Povo inquieto, inteligente, orgulhoso, pragm ático, criativo, de fácil inter-relacionamento com outras culturas, sobretudo no terreno dos negócios, os judeus não guardariam somente para si essa experiência da busca de Canaã. A longa formação e a dispersão das tribos na Diáspora seriam a garantia de que as lições de justiça divina ensinadas por Moisés seriam propagadas nos quatros cantos da civilização oriental, então predominante no planeta. O “curso” de quarenta anos no deserto forneceu preciosas experiências que permitiram a realização de escolhas decisivas, ricamente registradas no grande livro didático bíblico. Moisés foi, em sua época, um protótipo do Homem Teológico, legislador universal. É claro que a tradição sacerdotal ofuscou muito do brilho da sua sabedoria, inventou e incorporando em sua obra elementos dogmáticos estranhos e pervertidos, como o exclusivismo racial e a violência do talião. Mas tantos os profetas, também excelentes educadores sociais, como o próprio Jesus , sublime pedagogo cósmico, se encarregariam de fazer justiço ao trabalho educativo de Moisés, revelando mais tarde a sua verdadeira face espiritual e libertadora. Hoje é fácil entender que os relatos bíblicos sobre a Moisés e o povo do deserto escondem sedutoras metáforas vivenciais: a abertura e passagem do Mar Vermelho, por exemplo, revela não somente espetáculo do fenômeno sobrenatural, que é puramente simbólico, mas a idéia do impasse educativo entre recuar para a barbárie e avançar para a civilização. Voltar para o Egito naquele momento significava morrer espiritualmente, retroceder e negar as lições de futuro e permanecer no passado, na escravidão do orgulho, da persistência no mal, no sofrimento inútil e desnecessário. Canaã nunca foi um lugar geográfico, mas o mundo ideal, modelo de perfeição traçada na utopia de Moisés. A Palestina materializou-se como Canaã por causa da teimosia e ambição da tradição e do imediatismo materialista daqueles que não souberam aproveitar as lições do deserto. Tanto é que, até hoje, esse falso território da liberdade continua sendo o centro das contendas políticas mundiais e de dolorosos resgates cármicos. O mesmo equívoco deu-se no cultivo utópico da Jerusalém espiritual e do Reino de Deus ensinados mais tarde pelos profetas e por Jesus, e deturpados pela tradição clerical das igrejas.

Os protótipos antropológicos avançados deixaram marcam inegáveis da sua educação superior. Moisés ensinou a Lei, Khrisna iluminou as dúvidas sobre o livre-arbítrio e destino; Buda exemplificou o domínio do desejo; Lao-tsé e Confúcio demonstraram os segredos da paciência e da honestidade; Zoroastro tranqüilizou os espírito humano dividido entre o bem e o mal; e Jesus vivenciou na própria carne a lição do amor e do perdão.

Assim, na Pré-história apareceu o Homem Biológico; nas primeiras civilizações da Antigüidade surgiu o Homem Teológico; nas peripécias da civilização greco-romana desenvolveu-se o Homem Racional; na transição do feudalismo para o capitalismo, com o advento da Renascença, delineia-se o Homem Metafísico; na Era industrial, em meio às descobertas científicas dos séculos XVIII e XIX, aparece o Homem Positivo; e na Era Atômica e da Informática, na transição do 2º para o 3º milênio, já encontramos sinais do Homem Psicológico.

Esses seis protótipos seriam ainda a base para o desenvolvimento, num futuro ainda distante, de um Sétimo Ser, o Homem Cósmico, que será a síntese de todas as inteligências, de todas as experiências acumuladas nos milênios anteriores. Segundo revelações de diversas tradições espiritualistas esotéricas, este Sétimo Ser, que supera todos os obstáculos das seis inteligências exteriores, é o protótipo que vai se manifestar na sétima raça e dominará a sétima inteligência, que é a plenitude, a felicidade, o nirvana, o reino de Deus, enfim o domínio das coisas exteriores e do universo interior, que é a Consciência Integral e Universal.

Então, em diversas épocas, encontramos essas manifestações da conquista evolutiva das múltiplas inteligências: os primeiros seres “adâmicos” que dominaram o fogo e criaram a agricultura; os estadistas e líderes como Moisés , o faraó Amenófis IV; filósofos como Zoroastro, Pitágoras, Sócrates, Buda, Confúcio, Lao-tse, Apolônio de Tiana; personalidades marcantes como Paulo de Tarso, Hermes Trimegisto, Rama, Antúlio de Maha-Ethel , Gandhi, Santo Agostinho, Francisco de Assis; figuras intrigantes como Albert Einstein, Anie Besant, Allan Kardec, Dom Bosco, Helena Blawastky, Sigmund Freud poderiam certamente ser apont ados como protótipos desses seres históricos que desenvolveram habilidades fora do padrões da época em que viveram e servindo de modelos para as sociedades que observavam seus exemplos.

Algumas dessas pessoas poderiam ser classificadas como um Sétimo Ser? Ao nosso ver todas elas atingiram a plenitude psicológica, mas somente Jesus tornou-se um verdadeiro protótipo do Sétimo Ser, a síntese das experiências que transformam o Homem Psicológico no Ser Espiritual, superconsciente, completo e integral. Não se trata apenas de uma crença dogmática na sua pessoa ou simples admiração ideológica. Os próprios mestres de reconhecida sabedoria reconhecem sua inferioridade diante da magnitude de Jesus[10]. Nele nós podemos perceber a realização de experiências comuns a outros seres já altamente evoluídos, porém encontramos também vivências inéditas, não registradas anteriormente, e que revolucionaram o comportamento humano, que romperam historicamente paradigmas psicológicos e sociais que não haviam sido ultrapassados. É indiscutível modelo de perfeição relativa, dos seres criados, pois a perfeição absoluta é somente Deus, o Criador. A figura histórica de Jesus, bem como de outras personalidades evoluídas, veio sendo ofuscada por leituras místicas e mitológicas que não souberam compreender à luz da razão os seus conceitos filosóficos e suas atitudes sociais; sua experiência refletiu a manifestação de uma inteligência superior vivendo num ambiente inferior. Sua “luz” interior, normalmente não revelada por seres evoluídos, por cautela e também pela inutilidade circunstancial, com ele teve que ser reve lada por necessidade histórica; daí o seu aspecto sacrificial. Era necessário compartilhar essa experiência não só com a iniciação a curto prazo dos discípulos, mas estender e investir a longo prazo numa iniciação coletiva das massas, num grande projeto pedagógico universal. As expressões “salvador” e “redentor” aplicadas a ele não possuem apenas significados místicos e de adoração exterior. Trata-se de uma definição da sua alta capacidade pedagógica de redirecionar o comportamento de coletividades humanas moralmente falidas. Esse tipo de experiência não ocorreu apenas em nosso planeta e deve ser comum em outros orbes cujas humanidades atingem ciclos evolutivos críticos e precisam ser reorientadas nas suas jornadas espirituais. Ela sabia dos riscos de se “jogar pérolas ao porcos”, mas na sua “parábola do semeador”, percebe-se que há nele uma confiança no livre-arbítrio e na pontencialidade angélica e espiritual do ser humano ainda animaliz ado. Muitos “iniciados” modernos não compreendem por que Jesus resolver revelar sua luz para as massas. Fazem uma avaliação parcial da sua obra pedagógica, olhando apenas os resultados políticos e o triste episódio da sua condenação à pena de morte. Esquecem que a proposta era exatamente essa: o sacrifício pessoal e o perdão como lições derradeiras de alto impacto psicológico e social. Essa repercussão histórico-vivencial de Jesus não foi uma coincidência social e que virou tradição à toa, ao acaso. Ela teve a sua razão de ser, essencialmente exemplificadora, e passou a ser imitada e propagada pelos primeiros mártires cristãos, seres já um tanto evoluídos, que perceberam que podiam experimentar essas ações e contribuir para a revolução ao mesmo tempo silenciosa e estrondosa de Jesus. Cada cena registrad a, cada conceito explicado, cada exemplo vivenciado, cada símbolo, cada metáfora, cada revelação, cada atitude, cada cura, tinha sempre seu significado filosófico e sua significância social. Foram três anos de tarefa pública e notória. Seu nascimento não foi escolhido como marco divisor da nossa história somente pela imposição política dos estadistas cristãos ou das igrejas que durante muito tempo foram depositárias, nem sempre fiéis, das suas idéias. É que muitos cristãos sinceros e dedicados logo compreenderam, intuitivamente, a sua superioridade espiritual sobre o homem comum, chegando mesmo a confundi-lo com o próprio Criador. Este Ser Integral superou a perfeição relativa que caracteriza todos os seres que o antecederam e sucederam no tempo para ingressar na experiência interminável e sempre evolutiva da busca e conquista da perfeição absoluta, que é Deus.

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