Algumas coisas curiosas acontecem em nosso planeta. Uma delas, por exemplo, é a eterna busca do ser humano pela liberdade. Hasteiam-se bandeiras em seu nome, luta-se, morre-se e mata-se por esse direito dito "inalienável" do ser. Mas o que seria essa tal de liberdade para cada um de nós? Será que todos queremos dizer a mesma coisa quando nos referimos a ela? Essas perguntas são mais capciosas do que aparentam ser, mas serei um pouco ousado e me aventurarei por esse caminho.
Para começar, acho válido termos em mente o fato de que, no conhecido Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a palavra "liberdade", por si só, apresenta onze significados enumerados, fora diversas expressões das quais faz parte. É bom mencionar também que alguns desses significados são bastante contraditórios entre si e que, para piorar, essas contradições parecem ser necessárias. Por exemplo, a "Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação" parece bem atraente, mas eu não gostaria que uma pessoa que me desejasse fazer algum mal tivesse tamanha liberdade... Para esses casos, a solução está lá mesmo no dicionário, em outro significado: "Poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas", ou ainda na seguinte definição: "Faculdade de praticar tudo quanto não é proibido por lei". Pois é, parece que precisamos limitar a liberdade para conseguirmos sobreviver em sociedade, que é a base para podermos exercer o direito de sermos livres. Isso não chega a ser cômico? Talvez tragicômico. É triste vermos que não podemos ser inteiramente livres por não sabermos sequer lidar com a liberdade total. Pior ainda é não sabermos ao certo que tipo de liberdade se aplica a cada momento de nossas vidas.
Outro fator interessante é a forma como expressamos essa liberdade. Certa vez, quando questionado, um aluno me disse: "Liberdade? É o direito de ir e vir, de onde quer que seja, para qualquer lugar, sem restrições". E por incrível que pareça, o rapaz pareceu satisfeito ao dizer isso, como se tivesse esgotado o assunto! Em seguida, perguntei-lhe se ele tinha vontade de conhecer as pirâmides do Egito (estávamos em meio a um curso sobre a Grande Pirâmide de Gisé), obtendo dele um fervoroso "sim". Indaguei o motivo de o aluno jamais havê-las visitado e o vi rir-se, acanhado, dizendo que não tinha dinheiro para tanto. Podemos então concluir que quem não tem dinheiro não é livre? Têm-se a liberdade de escolher visitar Tóquio ou Paris, mas não se têm a liberdade de optar por visitá-las, a menos que se tenha dinheiro? Essas perguntas pareceram deixar todos os presentes perplexos, como se aquilo fosse algo novo e pungente. Só então me dei conta da percepção de liberdade que quase todos ali tinham: um ideal de liberdade total e irrestrita, sem causas ou conseqüências, sem dependências nem interdependência.
Tal revelação foi intrigante. Seria esse tipo de mentalidade que aquelas pessoas, muitas delas já pais e até avós, estariam incutindo em seus filhos e netos? Que tipo de reflexo isso causaria em nossa sociedade presente e futura? Talvez crianças que acreditam ser livres o bastante para ferir os colegas de escola a seu bel-prazer? Ou para cometer violências que nem sequer imaginamos ainda?
Devemos, sim, valorizar e propagar a liberdade, mas com a nítida e clara noção da responsabilidade que ela traz consigo. Devemos nos lembrar de que o princípio da liberdade é mesmo um direito inalienável, mas também que nossa sociedade limitou, por fatores sócio-econômicos, nossa capacidade de exercitá-la. Antes de hastearmos novas bandeiras e de deflagrarmos novas guerras, descubramos primeiro que tipo de liberdade desejamos.
Deixo aqui uma sugestão: vamos refletir a respeito dos conceitos de liberdade que nutrimos dentro de nós e que ensinamos a nossos descendentes. Lutemos por fazer um futuro melhor, no qual tenhamos não apenas o direito, mas também o poder para exercitar a liberdade.
Alberto Cabral
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