1. HUMANIDADE CÓSMICA - Aquilo que há cem anos parecia uma simples utopia, ou alucinação de um visionário, hoje já se tornou admitido até mesmo pelos mais fortes redutos da tradição terrena. A evolução acelerou-se de tal forma, no transcorrer deste século, a partir da publicação de O Livro dos Espíritos, que o sonho de uma humanidade cósmica parece preste a mostrar-nos a sua face real, através das conquistas da ciência. Nossos primeiros vôos nas vastidões espaciais alargaram as perspectivas da vida humana, ao mesmo tempo que as investigações do cosmo modificaram a posição dos cientistas e dos próprios setores religiosos mais tradicionais. Admite-se a existência de mundos habitados, em nosso sistema e fora dele, e a possibilidade do estabelecimento de um próximo intercâmbio entre as esferas celestes.
O Livro dos Espíritos já afirmava, desde meados do século dezenove, que o cosmos está povoado de humanidades. E Kardec inaugurou as relações interplanetárias conscientes, através das comunicações mediúnicas, obtendo informações da vida em outros globos do nosso próprio sistema solar. Na secção "Palestras Familiares de Além-Túmulo", da "Reveu Spirite", Kardec publicou numerosas conversações com habitantes de outros planetas, alguns deles, como Mozart e Pallissy, emigrados da Terra para mundos melhores. Todo o capítulo terceiro da primeira parte de O Livro dos Espíritos refere-se ao problema da criação e da formação dos mundos, contendo, do item 55 ao 58, os períodos anunciadores da "Pluralidade dos Mundos".
Os Espíritos afirmaram a Kardec que todos os mundos são habitados. A audácia da tese parece temerária, e está ainda muito longe de ser admitida. Mas é evidente que em parte já está sendo aceita por todo o mundo civilizado. Por outro lado, a condição fundamental para a sua aceitação já foi também admitida: a de que as formas de vida variam ao infinito, de mundo para mundo, uma vez que a constituição dos próprios globos é também a mais variada possível. Hoje, nos países cientificamente mais adiantados, como os Estados Unidos e a Rússia, fazem-se experiências de laboratório para o estudo da astrobiologia. As sondas espaciais, por sua vez, demonstraram a existência de vida microscópica nas mais distantes regiões do espaço, e o exame de aerólitos vem demonstrando que as pedras estelares trazem para a terra restos de fósseis desconhecidos.
Concomitantemente com esses progressos, na própria Terra as investigações científicas se ampliaram, revelando através da Física, da Biologia e da Psicologia, novas dimensões da vida. A Física Nuclear, a Biônica, a Cibernética e a Parapsicologia modificam a nossa posição diante dos problemas do mundo e da vida. Os parapsicólogos demostram a existência de um substrato extrafísico na mente humana, e portanto na constituição do homem, ao mesmo tempo que os físicos nucleares revelam a natureza energética da matéria. Nossas concepções vão sendo impulsionadas irresistivelmente além do domínio físico, em todos os sentidos. A humanidade múltipla, de natureza cósmica, habitando dimensões desconhecidas, já não parece mais uma utopia ou uma simples alucinação.
No item 55 de O Livro dos Espíritos encontramos esta afirmação, em resposta à pergunta de Kardec sobre a habitabilidade de todos os mundos; "Sim, e o homem terreno está bem longe de ser, como acredita, o primeiro em inteligência, bondade e perfeição. Há, entretanto, homens que se julgam espíritos fortes e imaginam que este pequeno globo tem o privilégio de ser habitado por seres racionais. Orgulho e vaidade! Crêem que Deus criou o Universo somente para eles". No item 56 vemos esta antecipação: "a constituição dos diferentes mundos não se assemelha." E no item 57, a explicação de que os mundos mais distantes do sol tem outras fontes de luz e calor, que ainda não conhecemos.
A tese da pluralidade dos mundos habitados leva-nos imediatamente ao conceito de solidariedade cósmica. No item 176 encontramos a afirmação de que: "todos os mundos são solidários". Esta solidariedade se traduz pelo intercâmbio reencarnatório. Os espíritos mudam de globos, de acordo com as necessidade ou conveniência de seu processo evolutivo. Essas migrações, entretanto, não são feitas ao acaso, mas segundo as leis universais da evolução. Cada mundo se encontra num determinado grau de aperfeiçoamento. Suas portas serão franqueadas aos espíritos, na proporção em que estes vão, por sua vez, atingindo graus superiores em sua evolução pessoal. Como os homens nas relações internacionais, espíritos superiores podem reencarnar-se em mundos inferiores, cumprindo missões civilizadoras. Da mesma maneira, espíritos, de mundos inferiores podem estagiar em mundos superiores se estiverem em condições para isso, e voltar aos seus globos, para ajudá-los a melhorar.
A humanidade cósmica é solidária, e a civilização cósmica é infinitamente superior ao nosso pobre estágio terreno, de que tanto nos vangloriamos. Há mundos de densidade física fora do alcance dos nossos sentidos, habitados por humanidades que nos pareceriam fluídicas, e que não obstante são, no plano em que se encontram, concretas e definidas. Humanidades felizes, que se utilizam de corpos leves e habitam regiões paradisíacas, numa estrutura social em que prevalecem o bem, o amor, a paz, o perfeito entendimento entre as criaturas. Humanidades livres da escravidão dos instintos animais e dos corrosivos morais do egoísmo e do orgulho, que infelicitam os mundos inferiores.
"A vida dos Espíritos, no seu conjunto, segue as mesmas fases da vida corpórea", ensina Kardec, no comentário que faz no item 191 de O Livro dos Espíritos. Os espíritos passam gradativamente "do estado de embrião ao de infância, para chegarem, por uma sucessão de períodos, ao estado de adulto, que é o da perfeição, com a diferença de que nesta não existe o declínio nem a decrepitude da vida corpórea". Assim, as concepções geocênctricas de céu e inferno, como prêmio ou castigo eternos de uma curta existência num pequeno mundo inferior, são substituídas pela compreensão copérnica da vida universal e do progresso infinito para todas as criaturas. Bastaria esta rápida visão da humanidade cósmica para nos mostrar como ainda estamos, infelizmente, distantes de uma assimilação perfeita da Doutrina Espírita. Quando conseguirmos compreender integralmente esta cosmo-sociologia e suas imensas conseqüências, estaremos à altura do Espiritismo.
2. DESTINAÇÃO DA TERRA - Os Espíritos explicam, no capítulo terceiro da primeira parte de O Evangelho Segundo o Espiritismo: "A qualificação de mundos inferiores e mundos superiores é antes relativa que absoluta. Um mundo é inferior ou superior em relação ao que esta abaixo ou acima dele, na escala progressiva". A medida cósmica é a evolução. "Embaixo" e "em cima" são expressões graduais, e não locais. A Terra já foi um mundo inferior, quando habitado pela humanidade primitiva que nela se desenvolveu. O seu progresso foi ainda incentivado por migrações de espíritos, realizadas em massa, no momento em que um mundo distante conseguiu subir na escala, dos mundos. Seus "resíduos evolutivos" foram então transferidos para o nosso planeta. Criaturas superiores aos habitantes terrenos, exilados na Terra, deram-lhe extraordinário impulso evolutivo. Assim, ela passou de mundo primitivo para a categoria de mundo de expiações e provas.
Essa é a condição atual da Terra. Mas é, também, a condição que ela está preste a deixar, a fim de elevar-se à categoria de mundo de regeneração. Vejamos, porém, como explicar o nosso estágio atual. Ensina O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo citado: "A superioridade da inteligência de um grande número de habitantes indica que ela não é um mundo primitivo destinados à encarnação de Espíritos ainda saídos das mãos do Criador. As qualidades inatas que eles revelam são a prova de que já viveram, e de que realizaram algum progresso. Mas também os numerosos vícios a que se inclinam são o índice de uma grande imperfeição moral. Eis porque Deus os colocou numa terra ingrata, para ai expiarem as sua faltas, através de um trabalho penoso e das misérias da vida, até que mereçam passar para um mundo mais feliz".
Ao mesmo tempo, Espíritos ainda na infância evolutiva, e Espíritos de um grau intermediário, mesclam-se às coletividades em expiação. Representamos uma mistura de exilados e população aborígine. Os antigos habitantes do mundo primitivo convivem com os imigrantes civilizadores. Mas estes mesmos civilizadores ainda são bastante imperfeitos, e realizam a sua missão expiando as faltas cometidas em outros mundos. A explicação prossegue: "A terra nos oferece, portanto, um dos tipos de mundos expiatórios, de que as variações são infinitas mas que tem por caracter comum o de servirem de lugar de exílio para os Espíritos rebeldes à lei de Deus. Nesses mundos, os Espíritos têm de lutar ao mesmo tempo com a perversidade dos homens e contra a inclemência da natureza, duplo e penoso trabalho, que desenvolve simultaneamente as qualidades do coração e as da inteligência. É assim que Deus, na sua bondade, transforma o próprio castigo em proveito do progresso do Espírito".
Esta bela comunicação é assinada por Santo Agostinho, que usa o título de santo para fins de identificação. A seguir, com a mesma assinatura, temos uma mensagem sobre a condição do mundo em que o nosso planeta se transformará: o mundo de regeneração. Este mundo, explica o Espírito: "serve de transição entre os mundos de expiação e os mundos felizes". São, portanto, simplesmente escala de aperfeiçoamento na cadeia universal dos mundos. Prossegue a informação espiritual: "Nesses mundos, sem dúvida o homem está ainda sujeito às leis que regem a matéria. A humanidade experimenta as vossas sensações e os vossos desejos, mas livres das paixões desordenadas que vos escravizam." Estas frases traduzem uma bem-aventurança com que há muito sonhamos: "A palavra amor está gravada em todas as frontes; uma perfeita eqüidade regula as relações sociais" .
Não estamos diante de uma humanidade perfeita, mas apenas de um grau de evolução superior ao nosso. O homem ainda é falível, sujeito a se deixar levar por resíduos do passado, arriscando-se a cair de novo em mundo expiatários para enfrentar provas terríveis. Quem não verifica o realismo desta descrição, comparando o nosso desenvolvimento atual com o nosso passado, e verificando as diretrizes do progresso terreno? Os Espíritos não anunciam uma transição miraculosa, mas uma transformação progressiva do mundo, que já esta em plena realização. Nosso mundo de regeneração será mais ou menos feliz, segundo a nossa capacidade de construí-lo. O homem terreno atingiu o grau evolutivo que lhe permite responder plenamennte pelas suas ações. Deus respeita o seu livre-arbítrio, para que ele possa aumentar a sua responsabilidade.
No mesmo capítulo citado, e com a mesma assinatura espiritual encontramos ainda estes esclarecimentos. "Acompanhando o progresso moral dos seres vivos, os mundos por eles habitados progridem materialmente. Quem pudesse seguir um mundo em suas diversas fases, desde o instante em que se aglomeraram os primeiros átomos da sua constituição, vê-lo-ia percorrer uma escala incessantemente progressiva, mas através de graus insensíveis para cada geração, e oferecer aos seus habitantes uma morada mais agradável, à medida que eles mesmos avançam na via do progresso. Assim marcham paralelamente o progresso do homem, o dos animais seus auxiliares, dos vegetais e das habitações, porque nada é estacionário na natureza. Quanto esta idéia é grande e digna do Criador! E quanto, ao contrário, é pequena e indigna de seu poder, a que concentra a sua solicitude e a sua providência sobre o imperceptível grão de areia da Terra e restringe a humanidade aos poucos homens que a habitam!"
Esta concepção cósmica não é grandiosa apenas no seu aspecto exterior, mas também e principalmente no seu sentido subjetivo, e, portanto, profundo. O que mais se afirma, em toda a sua extensão, é o princípio de liberdade e de responsabilidade humana. Os Espíritos, que são as criaturas humanas, encarnadas ou não, aparecem como os artífices do se próprio destino pessoal e coletivo, e como os demiurgos platônicos que modelam os mundos. Deus lhes oferece a matéria-prima das construções, mas são eles os que constroem, com inteira liberdade - dentro das limitações naturais das condições de vida em cada plano - cometendo crimes ou praticando atos de justiça, bondade e heroísmo para colherem os resultados de suas próprias ações.
O sentido ético dessa concepção é revolucionário. Deus não está, diante dela, em nenhuma das duas posições clássicas do pensamento filosófico e religioso: nem como o Ato Puro de Aristóteles, indiferente ao Mundo, nem como o Jeová humaníssimo da Bíblia, comandando exércitos e dirigindo as ações humanas. Só mesmo a síntese cristã do Deus-Pai, velando paternalmente pelos filhos, corresponde à sua grandeza. E é justamente essa síntese que se corporifica na idéia de Deus da concepção espírita. Mas, como até hoje, o Deus-Pai do Cristianismo não se efetivou entre os homens, o Espiritismo o apresenta em novas dimensões, promovendo a sua revolução ética no mundo em transição.
3. ORDEM MORAL - É precisamente a revolução ética do Espiritismo que estabelecerá a ordem moral do mundo de regeneração. Aquilo que hoje chamamos ordem social, porque baseada nas relações de sociedades que implicam transações utilitárias, será de tal maneira modificada, que poderemos mudar a sua designação. A humanidade regenerada, embora ainda não tenha atingido a perfeição relativa dos mundos felizes viverá numa estrutura de relações de tipo moral. Os valores pragmáticos serão substituídos naturalmente pelos valores morais, porque o homem não mais valerá pelo que possui, em dinheiro, propriedades ou poder político, mas pelo que revela em capacidade intelectual e aprimoramento espiritual.
A dinâmica social da caridade, que o Espiritismo hoje desenvolve ativamente, em nosso mundo de provas e expiações, tem por finalidade romper o egocentrismo social dos indivíduos atuais, para em seu lugar fazer desabrochar o altruísmo moral que caracterizará o cidadão do futuro. Mesmo no meio espírita, muitas pessoas não compreendem o sentido da filantropia espírita, entendendo que ela se confunde com os remendos de consciência das esmolas dos ricos. A verdade, porém, é que a caridade é o único antídoto eficaz do egoísmo, esse corrosivo psíquico, que envenena os espíritos e toda a sociedade. A prática da caridade é o aprendizado necessário do altruísmo, é o treinamento moral das criaturas em expiação e prova, com vistas ao mundo de regeneração.
Vemos no item 913 de O Livro dos Espíritos essa colocação precisa do problema: "Estudai todos os vícios, e vereis que no fundo de todos existe o egoísmo. Por mais que lutais contra eles, não chegareis a extirpá-las, enquanto não os atacardes pela raiz, enquanto não lhes houverdes destruído a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse fim, porque nele se encontra a verdadeira chaga da sociedade. Quem nesta vida quiser se aproximar da perfeição moral, deve extirpar do seu coração todo sentimento de egoísmo, porque, o egoísmo é incompatível com a justiça, o amor e a caridade; ele neutraliza todas as outras qualidades."
Mas a prática da caridade não pode limitar-se à criação de serviços de assistência. A caridade espírita não é paternalista, mas fraterna. Não pode traduzir-se em protecionismo, mas em ajuda mútua: a mão que distribui não socorre apenas, porque também recebe. Só há uma paternidade: a de Deus. Sob ela, desenvolve-se a fraternidade humana, com deveres e direitos recíprocos. No capítulo XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 5, encontramos esta exposição do problema: "caridade e humanidade são as únicas vias de salvação; egoísmo e orgulho, as de perdição". Este princípio é formulado em termos precisos nas seguintes frases: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu entendimento, e ao teu próximo, como a ti mesmo: toda a lei e os profetas se resumem nesses dois mandamentos." E para que não houvesse equívoco na interpretação do amor de Deus e do próximo, acrescenta-se: "E eis o segundo mandamento semelhante ao primeiro," Quer dizer que não se pode verdadeiramente amar a Deus sem amar ao próximo, nem amar ao próximo sem amar a Deus, de maneira que tudo o que se faz contra o próximo, contra Deus se faz. Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade com o próximo, todos os deveres do homem se resumem nesta máxima: "Fora da caridade não há salvação."
O Livro dos Espíritos, em seu item 917, dá-nos a chave dessa relação, explicando: "De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de desenraizar é o egoísmo, porque se liga à influência da matéria, da qual o homem ainda muito próximo da sua origem, não pode libertar-se. Tudo concorre para entreter essa influência: suas leis, sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a material, e sobretudo com a compreensão que o Espiritismo vos dá, quanto ao vosso estado futuro real, não desfigurado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as crenças, transformará os hábito, as usanças e as relações sociais. O egoísmo se funda na importância da personalidade. Ora, o Espiritismo bem compreendido, repito-o, faz ver as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece de alguma forma, perante a imensidade. Ao destruir essa importância, ou pelo menos ao fazer ver a personalidade naquilo que de fato ela é, ele combate necessariamente o egoísmo."
O amor do próximo não pode existir sem o amor de Deus, e vice-versa, porque o apego ao mundo, aos bens materiais, aos valores transitórios da Terra, aguça o egoísmo. A "importância da personalidade", por sua vez, é incentivada pela ordem social utilitária, baseada no jogo de interesses imediatistas. A compreensão espírita do mundo e do destino do homem modificará a ordem social. A certeza da sobrevivência e o conhecimento da lei de evolução arrancarão o homem das garras do imediatismo: ele pensará no futuro. Assim fazendo, verá as coisas de mais alto e aprenderá que o valor supremo e o supremo bem estão nas leis de Deus, que são a justiça, o amor e a caridade. Compreender isso é amar a Deus, amar a Deus é praticar as suas leis. Sem o amor de Deus, o homem alimenta o amor de si mesmo, o egoísmo, que o liga estreitamente ao mundo e aos seus bens transitórios e falsos.
A referência às instituições egocêntricas, à legislação humana contrária às leis de Deus, à organização social e injusta e à educação deformante, mostram-nos o que acima acentuamos, ou seja, que a caridade não se limita à assistência. De que vale amparar apenas os pobres, os necessitados, e entregar à loucura e à embriagues do dinheiro e do poder os ricos do mundo? Espiritualmente os dois são necessitados, pois o rico voltará na pobreza, a fim de corrigir-se pela reencarnação. Cumpre, por isso mesmo, lutar pela transformação social, pela modificação da ordem egoísta que incentiva e perpetua o egoísmo, no círculo das reencarnações dolorosas.
Qual, porém, a maneira de lutarmos por essa transformação? O item 914 a aponta: a educação. E Kardec, no comentário final sobre o item 917, a reafirma: "A cura poderá ser prolongada, porque as causas são numerosas, mas não é impossível. A educação, se for bem compreendida, será a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, poder-se-ão endireita-los, da mesma maneira como se endireitam as plantas novas". As respostas dadas a Kardec eram de Fénelon, um educador. O próprio Kardec, pedagogo, estava à altura de compreender, e prontamente endossou a opinião do Espírito.
As pessoas pouco afeitas ao estudo dos problemas políticos e sociais estranharão o caminho indicado. Não obstante, se foi Platão o primeiro a tentar a reforma do mundo pela educação, com a sua "República", foi Rousseau o primeiro a obter resultados positivos nesse sentido. Ambos eram utópicos, mas exerceram poderosa, influência no mundo. E depois deles, compreendeu-se, principalmente a partir da Revolução Francesa, que nenhuma transformação podia efetuar-se e manter-se, sem apoiar-se na educação. As próprias formas de transformação violenta, como a Revolução Comunista e as Revoluções Nazistas e Fascistas, na Alemanha e na Itália, apoiaram-se imediatamente na educação. Porque educação é a orientação das novas gerações e a transmissão às mesmas de todo o acervo cultural da civilização: é a criação do futuro, a sua elaboração.
Educar, entretanto, não é apenas lecionar, ensinar nas escolas. A educação abrange todos os setores das atividades humanas e todas as idades e condições do homem. Daí a conclusão de Kardec, no mesmo comentário citado: "O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver a outra, deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se ele deseja assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro." A educação espírita deve ser feita em todos os sentidos, através da palavra e do exemplo, numa luta incessantes contra o egoísmo e em favor da caridade.
Nos capítulos sobre a lei de igualdade e a lei de justiça, amor e caridade, Kardec e os Espíritos apontam os rumos dessa batalha pela transformação do mundo. O próprio Espiritismo é um gigantesco esforço de educação do mundo, para que a humanidade regenerada de amanhã possa substituir o quanto antes à humanidade expiatória de hoje. Mas é necessário que os espíritas se eduquem no conhecimennto e na prática da doutrina, para que possam educar o mundo nos princípios de renovação, que receberam do Consolador.
4. IMPÉRIO DA JUSTIÇA - A ordem moral será o império da justiça. O mundo de regeneração não poderá efetivar-se, portanto, enquanto não criarmos na Terra uma estrutura social baseada na justiça. Já vimos que a tarefa é nossa, pois o mundo nos foi dado como campo de experiência. Submetidos a expiações e provas aprendemos que o egoísmo é nefasto e que devemos lutar pelo altruísmo, a começar de nós mesmo. Mas como fazê-lo? Qual o critério a seguir, para que a educação espírita do mundo se converta em realidade, produzindo os frutos necessários?
Kardec nos explica, ao comentar o item 876: "O critério da verdadeira justiça é de fato o de se querer para os outros aquilo que se queria para si mesmo, e não de querer para si o que se desejaria para os outros, o que não é a mesma coisa. Como não é natural que se queira o próprio mal, tomando o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, pode-se estar certo de jamais desejar para o próximo senão o bem. Desde todos os tempos, e em todas as crenças, o homem procurou sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O sublime da religião cristã foi tomar o direito pessoal por base do direito do próximo."
O critério apontado, como vemos, é o da caridade. O império da justiça começará pelo reconhecimento recíproco dos direitos do próximo. A lei de igualdade regerá esse processo, Kardec declara ao comentar o item 803: "Todos os homens são submetidos às mesmas leis naturais; todos nascem com a mesma fragilidade, estão sujeitos às mesmas dores, e o corpo do rico se destrói como o pobre. Deus não concedeu, portanto, a nenhum homem, a superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte. Todos são iguais diante dele".
Liberdade, igualdade e fraternidade, são os rumos da civilização. Em Obras Póstumas aparece um trabalho de Kardec sobre esses três princípios, tantas vezes deturpados, mas que deverão predominar, no mundo de justiça. Escreveu o codificador: "Estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação." A seguir, Kardec coloca a fraternidade como princípio básico, apontando a igualdade e a liberdade como seus corolários.
A igualdade absoluta não é possível, dizem os contraditores dos ideais igualitário, alguns mesmo alegando que a desigualdade é lei da natureza. Citam, em favor dessa tese, o fenômeno da individualidade, bem como a diversidade de aptidões. Lembram que os próprios minerais, vegetais e animais se diversificam ao infinito. Mas esquecem-se de que a lei natural não e' a desigualdade, mas a igualdade na diversidade. Vimos como Kardec define a igualdade dos homens perante Deus. Vejamos também a sua explicação das desigualdades no plano social, que é precisamente o plano material da fragmentação e da especificação.
Escreveu Kardec, no comentário ao item 805: "Assim a diversidade das aptidões do homem não se relaciona com a natureza íntima de sua criação, mas com o grau de aperfeiçoamento a que ele tenha chegado, como Espírito. Deus não criou, portanto, a desigualdade das faculdades, mas permitiu que os diferentes graus de desenvolvimento se mantivessem em contato, a fim de que os mais adiantados pudessem ajudar os mais atrasados a progredir, e também a fim de que os homens, necessitando uns dos outros, compreendam a lei da caridade, que os deve unir!"
Nada existe como absoluto em nosso mundo, que é naturalmente relativo. A fraternidade, a igualdade e a liberdade são conceitos relativos, que tendem, porém, para a efetivação absoluta, através da evolução. No mundo de regeneração esses conceitos encontrarão maiores possibilidades de se efetivarem, porque a evolução moral terá levado os homens a se aproximarem dos arquétipos ideais. O Espiritismo nos convida à superação do relativismo material, para a compreensão dos planos superiores a que nos destinamos, como indivíduos e como coletividade. Nossa marcha evolutiva está precisamente traçada entre o relativo e o absoluto.
O império da justiça, no mundo de regeneração, marcará o início da libertação dos Espíritos que permanecerem na Terra. Mas esse mesmo fato representará a continuidade da escravidão, para os que forem obrigados a retirar-se para mundos inferiores. A desigualdade se manifesta na separação das duas coletividade espirituais, mas apenas como uma condição temporária da evolução pelas próprias exigências da igualdade fundamental das criaturas. Essa igualdade fundamental, que se define como origem, natureza e essência, - origem, pela criação divina, comum a todos os espíritos; natureza, pela mesma qualidade, que é a individualização do princípio inteligente; essência, pela mesma constituição espiritual e potencialidade consciencial; - desenvolve-se através da existência, nas fases sucessivas da evolução, que constituem as formas temporárias de desigualdade, para voltar à igualdade no plano superior da perfeição. Trata-se de um processo dialético de desenvolvimento do ser. Podemos figurá-lo assim: os espíritos partem da igualdade originária, passam pela desigualdades existenciais, e atingem finalmente a igualdade essencial.
A justiça de Deus é absoluta, e por isso mesmo escapa às nossas mentes relativas. Mas na proporção em que formos evoluindo, alargaremos as nossas perspectivas mentais, para atingir a compreensão das coisas que hoje nos escapam. O Espiritismo é doutrina do futuro, que age no presente como impulso, levando-nos em direção aos planos superiores. É natural que muitos adeptos não o compreendam imediatamente, na inteireza de seus princípios e de seus objetivos. Mas é dever de todos procurar compreendê-lo, pelo estudo atento e humilde, pois sem a humildade necessária, arriscamo-nos à incompreensão orgulhosa e arrogante.
A maneira do Reino do Céu, pregado pelo Cristo, e das leis do Reino, que ele ensinou aos seus discípulos, o Espiritismo prepara o império da justiça na Terra. Não pode fazê-lo senão pela prática imediata da justiça através dos princípios que nos oferece, convidando-nos à aplicação pessoal dos mesmos em nossas vidas individuais, e sua natural extensão, pelo ensino e o exemplo, ao meio em que vivemos. A transformação espírita do mundo começa no coração de cada criatura que a deseja. Por isso ensinava o Cristo que o Reino de Deus está dentro de nós, e que não começa por sinais exteriores.
J. Herculano Pires
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